Crise nos três poderes exige reformas institucionais sérias

brazil-confed-cup-protests

Está mais do que claro que os três poderes brasileiros perderam sua legitimidade. Por razões muito diferentes, Legislativo, Executivo e Judiciário estão presos em uma lógica que os paralisa, impedindo-os de exercer eficazmente suas atribuições constitucionais. Resolver esses problemas demanda repensar nossas instituições: ir ao âmago de sua lógica e reconstrui-las por dentro.

O Legislativo, usual objeto das reclamações relativos à corrupção, está atolado mais uma vez na lama – agora, aproximadamente 10% de todo o Congresso Nacional (Câmara e Senado) está sendo investigado na operação Lava Jato, com fortes indícios de terem recebido dinheiro indevidamente – inclusive os Presidentes de ambas as casas. A Presidência da República também é instituição em crise – mas, ao contrário do que supõe o clamor popular, isso se dá menos pelo episódio de corrupção do que por outros problemas, como mostrarei à frente. A crise de legitimidade do Judiciário, por sua vez, está associada aos pomposos benefícios que os juízes receberam nos últimos anos, além dos já conhecidos problemas relacionados à lentidão e à correição dos julgamentos judiciais.

Por que não conseguimos atacar esses problemas, tão conhecidos? Arrisco-me a dizer que uma das principais razões da baixa ineficiência em dar uma resposta a eles é a simples inércia. Queremos resolver os problemas com base na mesma lógica que deu origem a eles – o que, evidentemente, é um absurdo. Por exemplo: queremos resolver os problemas do Congresso Nacional elegendo novos representantes a cada quatro anos. Mas não é esse o problema, se a estrutura institucional continua a dar a eles os incentivos para que continuem a se beneficiar sem ter praticamente qualquer responsabilização. Ou seja, a inércia institucional faz com que as “novas pessoas” continuem as mesmas práticas do passado, praticamente inalteradas. Isso se dá por vários fatores, tanto de ordem cultural, mas, principalmente, de ordem institucional.

Cada um dos poderes enfrenta problemas de inércia que precisam ser enfrentados urgentemente. Como os recentes protestos, de 2013 pra cá, mostram, cada vez mais nossa estrutura constitucional está se deslegitimando. Se desejamos evitar uma ruptura de ordem constitucional, precisamos atacar diretamente os problemas que a estão corroendo por dentro. Que problemas são esses?

Alguns são extremamente óbvios e poderiam ser resolvidos mediante uma jurisprudência mais agressiva de nossos tribunais. Pra citar um exemplo: se um servidor público for acusado de praticar um ilícito, o processo administrativo de investigação poderá afastá-lo a fim de que ele não atrapalhe as investigações. Isso está previsto lá na lei de regência dos servidores públicos. Mas não se aplica a senadores e deputados. Resultado: Renan e Cunha, acusados na Lava Jato, agora estão usando de seus cargos para acusar a PGR e, nitidamente, tentar atrapalhar as investigações. Não há lei que os obrigue a se retirar temporariamente do cargo para não atrapalhar as investigações, mas o STF poderia adotar uma interpretação extensiva da Lei 8.112 – como o Judiciário já fez, por exemplo, em relação aos próprios juízes, quando entendeu que o estatuto dos servidores públicos era aplicável subsidiariamente aos juízes. Senadores e Deputados, antes de tudo, são servidores públicos por excelência, e não há motivo legal para não se aplicar a eles medida que seria aplicável a qualquer outro servidor público. Mas, por ora, não é o que acontece.

Outro problema grave é a accountability. Os membros de todos os poderes são muito pouco responsabilizáveis por seus atos. O poder político age para proteger os seus, como vimos no caso de Renan – cassado em 2007 e já é presidente do Senado de novo – e, mais recentemente, com os decretos presidenciais que praticamente livraram os condenados no mensalão. Se você discorda da condenação, tudo bem; não é esse o ponto. O ponto é que o decreto de indulto do fim do ano passado veio “sob medida” para boa parte dos queridinhos do partido da Presidente. Tudo dentro da lei, mas tudo dentro dessa lógica pouco transparente.

A baixa accountability também se verifica no próprio sistema eleitoral. A legislação consumerista prevê uma série de consequências legais para um anunciante que minta sobre as características de um produto, mas a legislação eleitoral permite que os candidatos mintam deliberadamente sobre qualquer aspecto que desejem durante a campanha. A ira de boa parte da população contra a Presidente Dilma, nos últimos meses, se deve a esse fato. Ela mentiu deliberadamente sobre as condições econômicas do país e sobre as políticas que adotaria. Claro, isso não é exclusividade dela; FHC fez o mesmo em 1998, ao dizer que não desvalorizaria o Real – o que fez logo no início do segundo mandato. O meu ponto, aqui, é institucional. Não é direito do Presidente, nem de um candidato a qualquer cargo público, mentir para aceder ao cargo. Não defendo, evidentemente, o impeachment da Presidente. A questão é que a lógica do exercício do poder tornou a mentira para o eleitor uma prática usual e até esperada aos futuros ocupantes do cargo.

O mesmo ocorre no Judiciário, que também não escapa da crise de legitimidade do restante da República. Nossos juízes, por serem concursados, acreditam ser semideuses, acima do bem e do mal. Recentemente, um juiz acreditou estar no direito de dirigir automóvel penhorado pela Justiça, com a desculpa esfarrapada de que o veículo estaria mais seguro em sua casa do que no pátio da Justiça. Essa situação é anedótica, mas a verdade é bem menos engraçada. A remuneração dos magistrados brasileiros é absurda em comparação com qualquer outro país desenvolvido do planeta, ainda mais se considerando a renda per capita média do país. E o que fazemos? A aumentamos ainda mais – com um absurdo auxílio-moradia e outras “benesses” que tornaram praticamente impossível calcular qual a remuneração de um juiz brasileiro hoje. Uma piada para a média dos cidadãos brasileiros, que vivem com um salário mínimo de pouco menos de R$ 800,00 — e que, segundo nosso ordenamento constitucional, deve ser suficiente para custear seu lazer, alimentação, saúde e, entre outras coisas, sua… moradia.

A crise no sistema judicial se torna ainda mais grave quando se verifica a eficiência do sistema. Somos um dos países do planeta onde o Judiciário é mais lento e, ao invés de atacar o problema, estamos para aprovar um novo Código de Processo Civil que mantém as mesmas premissas institucionais, mantendo um altíssimo número de recursos e de instrumentos processuais que tornam extremamente demorada a prestação jurisdicional. Ao invés de atacar o problema, permanecemos, de novo, na inércia. Juízes são praticamente irresponsáveis por seus atos: a maior pena que um magistrado pode sofrer é a de ser aposentado, o que é um incentivo baixo a que se mantenham na linha.

Claro, não pretendo resolver, nem discutir, os problemas dos três poderes nessas breves linhas. O objetivo aqui, é outro. É mostrar que o Judiciário, Executivo e Legislativo têm problemas que precisam ser resolvidos urgentemente, sob pena de a tessitura social começar a dissolver o lastro de legitimidade que confere a eles. Mas esses problemas são mais profundos do que a mera troca dos seus membros. É preciso mudar a lógica, torná-los mais democráticos e, principalmente, mais responsabilizáveis. Sem isso, continuaremos a patinar institucionalmente, com avanços que ocorrem em passos milimétricos. Precisamos de reformas institucionais. Sérias, não de brincadeirinha, como as que temos visto nos últimos tempos.

Fique atualizado!

Cadastre seu e-mail e receba todos os nossos artigos!

, ,

  • marlene madalena possan foschi

    O judiciário terá que ser feito uma grande reforma, na minha opinião ele é dos poderes de longe o mais corrupto, e não tem controle social;
    O legislativo e executivo o principal problema deles é o financiamento privado de campanha, é o inicio da corrupção e também a garantia das desigualdades sociais, eles governam só para o seu grupo.
    Ainda tem que acabar com o senado e essa vergonha de que qualquer um pode abrir um partido político.

  • Anderson Santos

    Não é verdade que a maior pena para um magistrado é a aposentadoria. Esta é a mais grave pena administrativa, por força constitucional. Judicialmente, o magistrado pode perder o seu cargo e ainda ressarcir os cofres públicos. No mais, concordo com as ideias expressas no texto, sobretudo a crítica à tentativa de resolver os velhos problemas usando a mesma lógica que os causou.

  • Marcelo

    O Poder menos corrupto da República é o Judiciário, porque não tem acesso ao cofre. O Poder Executivo e Legislativo tem amplo acesso aos recursos da comunidade e os seus membros não hesitaram em elevar o patrimônio. A Operação Lava Jato é o exemplo mais significativo. Os valores envolvidos na dita Operação são tão elevados, que os Bancos nacionais receptores das quantias se recusam a depositar em conta judicial, sob a alegação que ocasionará sensível abalo nas aplicações financeiras, com prejuízo ao pequeno aplicador.

  • [email protected]

    O BRASIL não pode mais aguardar a reforma nos 3 poderes!!!
    Precisamos cobrar urgente!!!

Powered by WordPress. Designed by Woo Themes